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Outras Dores


Hoje chorei, como há muito tempo não chorava. Não havia razões claras. Na verdade há. Apenas chorei. Talvez por razões passadas, histórias ancoradas no porto do meu ser, talvez por razões presentes, aí onde a dor não se ossificou, não se fez concreta, não mostrou a face, mas pairou soberana e silenciosa.
Tem certos dias que a dor nos toca, vem de dentro, de fora, do alto e de baixo, da palavra, da imagem, do gesto, da mentira, da covardia do próximo. Dores que não tem remédio.
Tento expurga-la por meio das palavras. Falo, ouço e me calo. Falo só para não expor meu próximo. A palavra é o referencial, é a chave que me dá acesso à realidade.

Dor que não se localiza. É diante dela que faço a experiência do limite. Sem ter o que dizer, mesmo assim me arrisco.

Por vezes, imagino o gesto de Jesus a rabiscar o chão. Diante dele, Madalena perante o escárnio. Ele também se calou. Sofreu, pensou, antes de ditar receitas mágicas que exterminassem a dor daquela mulher. Mesmo sendo Deus, preferiu a via humana. Foi na raiz da dor pelos recursos da palavra. Fez pensar, retirou as faixas dos espectadores e expôs a ferida. A mulher sentiu-se amparada por alguém, e, por isso, pôde assimilar a parte que lhe cabia.

Ele detectou na mulher a gênese de uma frustração, a inadequação entre o significado e a práxis.

Coisa estranha essa. Esse constante olhar sem nunca enxergar. Esse constante esbarrar sem nunca encontrar.

Olhei, tentei achar respostas para a mentira. Risquei o chão imaginário, encorajei, sem condenar. Seres humanos não precisam de juízes. Precisam apenas de alguém que tenha disposição de saber quem elas são, de que dores sofrem, de que cores gostam e que número calçam os pés.

Choro por não entender o que leva alguém a brincar com o próximo. Choro pela incoerência, o precário e o ilógico.

Já ouvi muito na vida. Assim se explica o meu choro hoje. Nada em mim se apaga, mas se sintetiza aos poucos, pelo mistério de ser parte do tempo, de ser histórica, de ser humana. Choro por aquele que não soube significar em minha vida mais uma vez.

Permaneço a riscar a terra, imitando o homem que me inspira, suplicando que Ele no processo me torne humana.

Gostaria de ter acesso àquilo que Ele escreveu no chão. Aquele bilhete, aquela fórmula ainda secreta desconhecida e com certeza profundamente reveladora.

O único bilhete escrito de próprio punho, com assinatura verdadeira, com sentimentos verdadeiros. Palavras escritas na terra, motivadas pelo amor.

Entre olhar serenamente indignado e o chão empoeirado da Galiléia – por ele contemplado, pairou a opinião de Deus.

Naquele pequeno espaço entre chão e olhos, uma sarça de significados ardeu sem se consumir. Deus escreveu na terra, pelo toque dos seus dedos, uma sentença de misericórdia.

Bendito seja o chão que se fez pauta para a poesia divina.

Na imperfeição de minhas falas, despeço-me.



Regina Lopes

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