Há uma luta diária para deixarmos de sermos fraternos – basta permitir que a avareza roube de nós a generosidade. Aristóteles, em sua memorável Ética a Nicômaco, insistia com seu filho que, dos vícios, o mais avassalador era o da avareza. As pessoas mesquinhas representam um perigo para elas mesmas e para os outros. Trancafiam-se nos porões do que aquinhoaram e repelem qualquer possibilidade de partilha. Infelizmente porque não experimentam a ventura leve do amor, que se entrega sem medo nem economias. Seres humanos com rugas murchas, feias, pesadas. Rugas diferentes daquelas que o tempo esculpe com cuidado em quem tem história e cuja história dá identidade à essência humana. Uma história só merece aplauso se for uma história de amor. E quem julga se há amor ou não é a centelha divina que nos ilumina a que damos o nome de consciência. Seres humanos mergulhados em seu destino de envelhecer. Vidas segregadas, disfarçadas de acontecimentos. Cesto farto de experiências múltiplas. Páginas em branco à espera de enredos, rascunhos que reconhecem vergonhosos, coisas que gostariam de omitir. Princípios, finalizações. Tudo amolgado num canto da consciência, e que podem ser despertadas. Seres humanos que não se fixam ao seu lugar. Projetam, criam, modificam, inovam e depois querem partir. Não nasceram para as realidades definitivas, porque enxergam nelas a aceitação do fracasso. Vivem em deslocamentos. Estão sempre abertas às novidades e nunca dizem que não vão se adaptar. Por um lado, pode parecer falta de comprometimento com a realidade, mas por outro lado não. Pode ser que seja apenas o desejo de manter por mais tempo uma situação. Na trama da vida sofremos por nós e pelos outros. Sofremos pelas intransigências de nossas emoções precárias e muitas vezes nos deixamos atingir por outros. É construção que requer empenho, assim como a trama dos teares requer demora na escolha das linhas e das cores. Nos bastidores da humanidade tenho descoberto dores muito comuns, doendo em pessoas muito diferentes. Gente que gostaria imensamente de experimentar um amor compromissado, mas que ao mesmo tempo se sente incapaz de construir relações equilibradas e saudáveis. Zygmunt Bauman, sociólogo polonês faz uma leitura muito interessante dos dias de hoje a partir do conceito de líquido. O autor no sugere que boa parte das neuroses contemporâneas nasce justamente da fragilidade dos laços humanos. Estamos cada vez mais inaptos para os vínculos duradouros. O que parece prevalecer é sentimentos à flor da pele, novidades constantes. É nesse emaranhado de encontros e desencontros, de chegadas e partidas que o ser humano mostra a sua face. Deseje relações humanas artesanais. Não relações industriais. Deixamos de ser artesanais em quase todos os aspectos da vida. Deseje velhos teares, onde a trama das linhas nos presenteia com resultados surpreendentes. A trama final nasce de mãos afeitas a trabalhos de minúcias. Relações humanas não nascem da noite para o dia – é uma construção que requer empenho, assim como a trama dos teares requer demora na escolha das linhas e das cores. Relações humanas devem nascer no fogo demorado das lenhas e não em porões que não nos permitem compreender o outro além do sorriso ensaiado.
Regina Lopes